terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Não é o que não pode ser que não é

Não sou de comer pastel com freqüência. Até porque o pastel não aparece sempre em minha vida. Não é igual a outros petiscos do dia a dia - como os espetinhos, os beijus e os acarajés, que são sempre freqüentes. O pastel é mais especial, sua barraquinha não está em toda esquina. A barraca de pastel flutua em ruas que desconheço. Ainda bem, pois o muito fácil não me atrairia tanto. O comum não me atrai com tanta vivacidade. O pastel tem esse poder em mim - me sinto viva. Mas não penso que ele é a décima maravilha do mundo, talvez a vigésima. Não, ele tem seus defeitos. Encantadores, sim. Nunca consegui nas poucas vezes que comi o pastel não ter a sensação de que algo está errado. Mesmo assim, ainda o como. Incrível, me faz bem. Porém, não sei bem qual grau de desconforto posso atribuir a certos aspectos do pastel. Tem o aspecto da sobriedade. O pastel sempre me deixa alerta, como se soubesse que cada mordida deve ser medida, pensada e calculada. Fico sóbria e certa, assim, ao comer o pastel. Outro aspecto, entretanto, é tão devastador em mim quanto à sobriedade, é a ilusão de recheio. O recheio vem pronto, certeiro, fascinante, apaixonante (e como me apaixono). Entretanto, o recheio se perde no-com-o vento. Eu deixo o pastel achar que está tudo bem, que me sinto preenchida e satisfeita, mas sei bem que esse recheio é de vento. Vento que me alisa, me abraça, me embebeda de amor. E eu me deixo seguir ao vento, como quem finge comer recheio. Me delicio aos sussurros do vento e por alguns instantes, até, penso que verdadeiramente meu paladar encontrou o conforto do recheio. Me preocupa o pastel pensar que não está me alimentando. Aí vem a sobriedade, é o efeito em mim. Penso em tudo como deve ser feito, a cada instante, e entro do mundo de hesitações. Outro e outro aspecto do pastel que marca pela delicadeza - permeada de respeitos e incertezas - é como devo tocá-lo. Tento não amassar o pastel, coitado. Na verdade, não é ele quem é coitado, ou o é. Sou eu ou não. Contudo, sinto que coitada de mim, porque se caso eu amasse o pastel, posso me acostumar a isso. E isso, amassar o pastel, não terei sempre (lembrem-se que barraquinhas do pastel flutuam por outros ares). Manuseio-o com cuidado para que não se sinta amassado. Tenho medo do apego ao pastel. Mas como me apegar ao pastel de vento? Vento não me alimenta, me fascina. Só que gosto de alimento. E me alimento de comida real. Por isso, por aqui fico a me preencher com o acarajé, o beiju, o espetinho...